Como criar a ação trabalhista perfeita em cinco passos - Parte III

Publicado em 12/01/2017

Atualizado em 04/05/2018

Categoria: Prática Trabalhista


Como criar a ação trabalhista perfeita em cinco passos - Parte III


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Passo 4 – A breve exposição dos fatos e do direito

Este artigo não irá se aprofundar em Teoria da Argumentação e técnicas de persuasão, mas recomendo enfaticamente que você aprimore ao máximo sua capacidade de convencimento persuasão.

Estude Teoria da Argumentação, Lógica, conheça as falácias, leia os clássicos da Retórica, e até alguns conceitos de psicologia e de marketing parecem fazer todo sentido, mas tenha em mente que, pelo menos para a primeira petição da reclamação trabalhista, tudo isso significará muito pouco.

E o principal motivo para isso é bem simples: é que a inicial da reclamação trabalhista, por expressa determinação legal (art. 840, I, da CLT), deve ser breve (expressão esta mantida pela Reforma Trabalhista).

É claro que em casos complexos, onde houve, por exemplo, uma dispensa com justa causa, e que além da reversão (para dispensa sem justa causa) você ainda pedirá subsidiariamente o reconhecimento da rescisão indireta com base em vários dispositivos, é quase impossível falar pouco.

E de qualquer forma, mesmo nos casos menos complexos, a inicial trabalhista também não precisa ser mínima. É importante notar que até para recorrer ela é essencial, pois o argumento que não tiver sido apresentado na reclamação não pode ser discutido em grau de recurso, e até o indeferimento de Recurso de Revista pode ocorrer porque o artigo apontado como violado não foi citado na inicial.

E agora, com a entrada em vigência da Lei 13.467/17, tal determinação deverá ser ainda mais relativizada, tendo em vista as grandes dificuldades e riscos processuais que foram criados, notadamente no que tange à concessão e limites do benefício da Justiça Gratuita. Hoje os modelos gerados pelo Gerador de Petições do site Valor do Trabalho, por exemplo, sempre incluem o pedido de inconstitucionalidade destes dispositivos, o que acaba tornando o modelo bem mais extenso do que antes da Reforma Trabalhista.

Tendo isso em mente, o que é realmente importante considerar para compor a fundamentação da ação trabalhista perfeita?

4.1 Fale para o auditório certo

O conceito de auditório aqui observado é proveniente da Nova Retórica de Chain Perelman. A Nova Retórica é um modo “antipositivista” de ver o Direito, que revolucionou profundamente a retórica na época, e que nos influencia até hoje.

“O auditório, entendido, a priori, como o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação, pode ser concebido de três formas distintas. A partir de sua extensão, Perelman e Olbrechts-Tyteca nos apresentam três modelos: o primeiro é o auditório universal, constituído por toda humanidade, ou pelo menos, por todos os homens adultos e normais. O segundo formado apenas pelo interlocutor a quem se dirige, entendido como um diálogo. O terceiro auditório abrange o próprio sujeito, quando delibera consigo próprio, hipótese em que coincidem os elementos auditório e orador." (PERELMAN, 1996:33-34 citado por Carlos Augusto Lima Vaz in A Teoria da Argumentação de Chaïm Perelman - sem destaques no original).

Interessa-nos aqui apenas o segundo auditório. Num mundo ideal, a argumentação jurídica se desenvolveria sempre para o auditório universal, mas, infelizmente, não é o caso.

E quem é o auditório, o ouvinte da ação trabalhista?

Seria o seu cliente? É em nome dele, afinal, que você escreve a ação trabalhista. Nada seria mais fácil do que se você escrevesse a ação pensando em persuadir seu cliente, certo?

Mas esta é a vida real, e não é assim que funciona. Na verdade, ao fim e ao cabo pouco importa se o cliente entenderia ou não a petição inicial (pois é quase certo que ele nunca a lerá).

O que importa para o cliente é a resposta de uma só pergunta:

- Vou receber meus direitos?

E isto quem decide é, justamente, o auditório.

Isso mesmo, o juiz é o auditório, a única e definitiva platéia que, eventualmente, precisa ser persuadida.

Então, em primeiro lugar, esqueça essa conversa de utilizar apenas linguagem informal em manifestações jurídicas. Como operador do direito você deve ter orgulho de sua “língua própria”. Ela é como o bisturi para o médico, como o compasso para o engenheiro, e pode e deve ser utilizada em toda sua glória pelo operador, evitados os abusos, os absurdos, e o ridículo, obviamente.

Mesmo os vocábulos e adágios em latim podem proporcionar um efeito poderoso, mas tome cuidado para não cair no ridículo. Na dúvida, não use.

E talvez você esteja achando a palavra persuasão um pouco forte, mas aqui ela é utilizada em sentido técnico: o convencimento é um tipo de argumentação que visa obter a adesão de todo ser humano racional (de um ser humano médio, por assim dizer), e a persuasão é uma estratégia argumentativa que visa convencer apenas uma pessoa em particular.

>>> Quem é o juiz que queremos persuadir?

Eis a questão.

Porque você não precisa escrever no escuro total. Também não precisa procurá-lo nas redes sociais, mas considero totalmente válido ler algumas de suas sentenças antes de começar a escrever (ou a montar, com base em seus modelos) sua ação trabalhista perfeita.

Sobre este assunto, veja o que diz Gláucia Aparecida da Silva Chiaradia, em interessante estudo acerca da Nova Retórica de Chain Perelman:

Contudo, já disse a tradição clássica que, enquanto o convencer busca a razão, a persuasão visa à emoção. Isso porque, embora ambos os atos sejam racionais, na persuasão temos um argumento válido para um auditório particular com certas especificidades e no convencimento temos uma argumentação que presume ser aceita por qualquer ser racional. Deste modo, temos que o convencimento é mais abrangente que a persuasão já que aquele se preocupa com o caráter racional da adesão (auditório universal), enquanto esta tem preocupação tão somente com o resultado (auditório particular). Contudo, não é somente o juiz que busca convencer, mas o caminho inverso também se realiza quando as partes (orador), com teses contrárias, tentam convencer o juiz (auditório). Os advogados, então, devem delimitar o seu auditório – juiz – conhecer suas decisões anteriores, seus valores pré-estabelecidos, de forma que consiga elaborar uma argumentação capaz de convencer esse auditório na sua especificidade. (Gláucia Aparecida da Silva Chiaradia, A nova retória e os valores em Chain Perelman - sem destaques no original)

Sim, isto é obviamente impossível em grandes comarcas (mas continua válido para as todas as fases posteriores). Neste caso (de grande comarcas), poderemos utilizar um “modelo artificial” de juiz do trabalho “médio”. Por enquanto, vamos imaginar que você sabe quem é o juiz do trabalho que provavelmente atuará na reclamação trabalhista a ser proposta.

O que você deveria se perguntar? O que poderia ajudar em sua argumentação (sempre lembrando que isto é mais útil para as fases seguintes do processo)?

Vejamos algumas perguntas possíveis:

  • As fundamentações das sentenças, em geral, são curtas ou longas?
  • Ele cita algum princípio de direito nas sentenças?
  • Ele cita jurisprudência?
  • Ele cita doutrina?
  • Ele cita apenas os textos legais?
  • Ele acata teses contrárias ao entendimento dos Tribunais Superiores?

E muitas outras.

Tudo isso pode ser útil para escrever a ação trabalhista perfeita. Por exemplo, se as fundamentações das sentenças são curtas, sem a mínima citação de doutrina e jurisprudência, você precisa considerar seriamente a necessidade de utilizar doutrina e jurisprudência na sua inicial.

Pense o seguinte: se eu sou juiz, e não utilizo citações de doutrina e jurisprudência em minhas sentenças (onde as citações doutrinárias fazem todo sentido, e as de jurisprudência são quase mandatórias, a meu ver, data venia) qual será o impacto de inúmeras citações de doutrina e jurisprudência sobre mim? Terá um efeito positivo?

E se for para algo que já esteja plenamente consolidado, e que não comporte a mínima divergência (por exemplo, uma citação doutrinária sobre o cabimento do terço constitucional de férias)?

Pode ter um efeito devastador: ele pode parar de ler.

É claro que, se sabemos de antemão que determinada tese que iremos defender sempre é rechaçada por ele (e sabemos disso porque já lemos diversas de suas sentenças), neste ponto deveríamos ser mais incisivos, e certamente, neste caso, deveríamos sim citar alguma doutrina e várias decisões paradigmáticas (exemplos jurisprudenciais).

Isso garante até a viabilidade do provável recurso que iremos manejar no futuro.

Porém, para todo o restante deveríamos, penso eu, nos ater apenas aos textos legais e súmulas, e transcrever, eventualmente, apenas trechos curtos de exemplos da jurisprudência. Isso também vale (i.e.: criar argumentações mais longas) para casos mais complexos, que não são vistos todos os dias pelo magistrado, como, por exemplo, um caso de rescisão indireta por assédio sexual, ou de discriminação de natureza racial, ou de ocorrência de trabalho escravo…

Em casos assim nós falaríamos, certamente, ainda mais se fosse com um juiz que gosta de fundamentar longamente suas sentenças, mas mesmo com este juiz mais “seco”, não temos como escapar da menos longa argumentação possível.

É claro que isso não é uma ciência exata, e sei que ainda pode estar parecendo meio confuso, mas, resumindo, acredito que as principais variáveis na equação do discurso perfeito da ação trabalhista sejam os seguintes:

  • Complexidade do caso
  • Perfil do juiz

Mas e quando não sabemos quem será o juiz?

Neste caso, iremos criar um “modelo” de juiz trabalhista, um padrão.

Na verdade, mesmo quando você escreve para um juiz específico, deve sempre estar considerando se o texto não irá ficar excessivamente personalizado, algo que só convenceria àquele único juiz, pois da forma como os juízes mudam de comarca, é quase certo que acontecerá, muitas vezes, da petição ser lida por um juiz diferente do esperado.

Para criar esse “juiz padrão” vamos tentar responder as mesmas perguntas, e criar respostas padrão.

Estas seriam as minhas respostas para as perguntas acima:

  • A fundamentação das sentenças, em geral, são curtas ou longas? Resposta padrão: Curtas
  • Ele cita algum princípio de direito nas sentenças? Resposta padrão: Raramente
  • Ele cita jurisprudência? Resposta padrão: Poucas vezes
  • Ele cita doutrina? Resposta padrão: Raramente
  • Ele cita apenas os textos legais? Resposta padrão: Não
  • Ele acata teses contrárias ao entendimento dos Tribunais Superiores? Resposta padrão: Nunca

É claro que você pode alterar estas respostas, escolher outras perguntas etc. O mais importante é ter em mente que você quer persuadir um juiz, e não a você mesmo, ao seu cliente ou a quem quer que seja. E que persuadir só é necessário quando você acredita que terá que fazer o juiz mudar sua opinião sobre determinado ponto.

Para a grande maioria das questões de direito (a aceitação dos fatos sempre ganha com técnicas de persuasão) não irá existir resistência. Por exemplo, se você já persuadiu o juiz no sentido de que a dispensa foi sem justa causa, a persuasão não é necessária para pleitear a multa de 40% sobre o FGTS (isso é “automático”).

4.2 – O argumento de autoridade que não é uma falácia

Muito provavelmente, o que mais poderá influenciar um juiz a concordar com você será o fato de sua posição ser... igual a de outro juiz. Se for do próprio Tribunal que julgará o recurso, melhor ainda. E nesta linha de pensamento, o TST é “deus”.

O argumento de autoridade muitas vezes é visto de forma pejorativa (porque, em geral, um argumento deve ser bom ou não independente de quem o expresse). Porém não neste caso. Aqui o título vale, e não é por simples imposição.

Um desembargador trabalhista é um notório conhecedor da legislação, da doutrina e da jurisprudência, e no mais das vezes, um dia já foi juiz. Já um Ministro é um erudito, um sábio do Direito. É aquele cara que além de ter grande inteligência e conhecimento, tem ainda o bônus da larga experiência. E se um Ministro já é bom, uma decisão de um colegiado de Ministros… bem, você entendeu onde quero chegar.

A própria falácia comporta uma exceção:

“Todavia, nem todos os argumentos de autoridade são maus; o progresso do conhecimento é impossível sem recorrer a argumentos de autoridade; e pode-se distinguir com alguma proficiência os bons dos maus argumentos de autoridade, atendendo às regras dadas.”(Desidério Murcho, Argumento de autoridade)

Assim, a não ser que o juiz de primeiro grau realmente se dedique a fundamentar longamente para acatar uma tese nova (que em todo caso ainda deverá ser sustentada por algum bom advogado nos Tribunais Superiores), qualquer decisão divergente do que estiver consolidado no regional correspondente ou no TST (e em alguns casos raros no próprio STF) tem praticamente 100% de chance de ser reformada.

E se tem uma coisa que juiz detesta é ver suas decisões modificadas pelos tribunais. Eles fingem não ligar, mas acredite, eles ligam.

Então uma possível regra (que comportaria exceções) seria a seguinte:

Na inicial trabalhista uma citação de jurisprudência é 1.000 vezes mais valiosa do que uma citação de doutrina, e 100.000 vezes mais valiosa do que a sua opinião. :-)

Autoridade é um dos gatilhos mentais mais poderosos que existe, e na ação trabalhista ele tem um nome que certamente não é o seu: jurisprudência.

4.3 - Destaques

Isso chega a ser triste para quem gosta de escrever, mas é uma realidade com a qual todo advogado acaba tendo que aprender a lidar: você deve presumir que boa parte do que escreveu não será lido.

Não é uma regra fixa, existe desde o juiz que não enxerga uma receita de bolo dentro da petição (vide Advogado escreve receita de pamonha na petição para provar que juiz não lê os autos ), até aquele que não deixa escapar o mínimo deslize “do estagiário” (vide Cuidado, tem juiz que lê o processo).

No meio destes extremos está o nosso juiz padrão, o qual sempre lê, digamos, “uma boa parte” da petição.

E digo que é triste porque você aprende que os destaques devem ser utilizados com moderação. Em geral, o argumento deve valer por si, e até mesmo um ponto de exclamação quase nunca deve ser utilizado (na argumentação, visando o convencimento ou a persuasão).

Explicitar uma frase exclamativa por natureza com um “!” é quase sempre inútil, porque ou você disse algo “exclamável”, ou não. Quando você coloca um ponto de exclamação é como se você dissesse: “Ei, surpreenda-se com isso!”.

Não adianta muito.

Mas este pensamento é menos válido para petições jurídicas a meu ver. É claro que você não deve sair escrevendo sublinhado, em negrito, com fonte 20, caixa alta (por favor, não use caixa alta quase NUNCA!) e 3 pontos de exclamação a cada dois parágrafos.

Exemplo do que não se deve fazer:

O RECLAMANTE É UMA PESSOA HUMILDE, QUE FOI DISPENSADO DO TRABALHO SEM O PAGAMENTO DE VERBAS RESCISÓRIAS, estando em situação de fragilidade econômica!

Acha que eu exagerei no exemplo? Pois digo que já vi coisa pior.

Mas não deixe de usá-los. Saber utilizar os destaques em petições jurídicas pode fazer muita diferença.

O que o destaque busca é chamar a atenção através do contraste. Ele pode ser dos tipos mais comuns, como o grifado, e o sublinhado, mas em algumas situações o riscado pode ser uma opção interessante para criar impacto argumentativo.

Porém, observo sempre algumas regrinhas simples pra evitar exageros:

Em primeiro lugar, não adianta sair grifando a petição inteira, como aquele advogado que acredita que só o que é grifado é lido, e então grifa a petição quase inteira.

Neste caso, o destaque estará justamente naquilo que não foi grifado.

Em segundo lugar, você pode sim grifar parágrafos inteiros, e dependendo do juiz até mesmo grifar e sublinhar o parágrafo inteiro (ou aumentar o tamanho da fonte). Mas isso é apenas se existir uma forte razão, algum fato realmente decisivo.

Caso contrário, é sempre melhor utilizar os destaques com sutileza, dentro dos parágrafos, em frases inteiras ou em algumas palavras. É mais agradável de ler, e se o seu texto for bom, isso pode fazer com que o juiz leia pelo menos uma boa parte de sua ação.

Porque o maior risco de se colocar muito destaque é justamente o de o juiz ler apenas o destaque, ou, se passar da dose, dele simplesmente ignorar toda sua argumentação e ler apenas os fatos e o pedido (e, o que é pior, de uma forma contrariada, #chateado).

Quando o assunto é destaque, concentre-se na pedra angular do seu caso. Por exemplo, numa ação em que se requer o reconhecimento da reversão da justa causa, ou o reconhecimento da rescisão indireta, e que todas as outras verbas dependam deste reconhecimento para serem devidas, guarde seus grandes destaques para isso.

Você não precisa destacar que o aviso prévio indenizado é devido na rescisão indireta, ou que esta ou aquela verba é devida neste caso. O juiz já sabe disso, é o seu “arroz com feijão”. Todos os dias ele dá 50 sentenças sobre isso.

É certo que tudo precisa estar lá, principalmente na parte do pedido, mas esta não é a maneira mais inteligente de “gastar” seus preciosos destaques.

Mesmo um juiz consciente de suas obrigações não irá ler 100% da ação trabalhista perfeita. Ele não tem tempo para isso. As ações se avolumam a cada dia, e para cada processo julgado, uma dúzia de novos são acrescentados ao seu acervo.

Talvez, se o juiz fosse ler todas as iniciais do começo ao fim, mesmo aquelas de 142 páginas, sua audiência que está marcada para 2018 seria remarcada para 2056.

Uma leitura “dinâmica”, em geral, é o máximo que você pode esperar, e imagino que esta leitura deva ocorrer de forma semelhante ao método que as pessoas pesquisam na internet: procurando o essencial.

Numa pesquisa muito interessante, que hoje é bastante referida em marketing e SEO, o pesquisador Jakob Nielsen documentou, através de mapas de calor (heatmaps), o movimento dos olhos (eyetracking) de 232 pessoas navegando por milhares de páginas de páginas na internet, e sua conclusão foi realmente impressionante. Jakob notou um padrão de leitura, que parece com um F, e que se repetia em muitos tipos de páginas diferentes.

Veja abaixo a explicação de Neil Patel, uma dos maiores especialistas em marketing do mundo:

Mas como exatamente os usuários leem o conteúdo? E em que parte de um site os usuários passam a maior parte do seu tempo?

Em 2006, o NNGroup conduziu visualizações de rastreamento de olhar em diferentes tipos de páginas: uma página “Quem somos”, páginas de produtos em lojas virtuais e uma página com resultados de busca.

O estudo constatou que os usuários normalmente leem páginas da web da seguinte maneira: duas faixas horizontais seguidas por um movimento vertical.

Ou seja, mais ou menos no formato de uma letra F.

Veja abaixo a imagem (retirada do mesmo site citado acima), com os três tipos de leitura mais comuns:


HeatMap

Não que eu acredite que a leitura da inicial pelo juiz seja exatamente da mesma forma (em F), mas deve seguir a mesma lógica: procurar o que realmente é importante para aquele momento.

Neste ponto (e aqui não procuramos persuadir, propriamente, mas sim causar empatia), considero essencial destacar tudo o que o juiz mais comumente busca, tanto para dar a sentença quanto para esclarecer os fatos durante a audiência, como, por exemplo, as datas de contrato, o motivo de desligamento, o valor da remuneração, etc.

Seja um cara legal, e o ajude o juiz a te ajudar.

4.4 O que não fazer

A petição inicial da ação trabalhista nunca deve ser “professoral”. Você não escreve para ensinar ao juiz, e é este um dos principais motivos que acredito fazer com que muitas petições iniciais não sejam lidas o suficiente (não apenas na Justiça do Trabalho).

É que são em geral peças maçantes, longas e tediosas compilações de textos doutrinários, com dezenas de jurisprudências irrelevantes e muita opinião. Duas páginas sobre os fatos e 30 sobre “o direito”.

Aliás, se você acha importante que o juiz leia sua ação inteira, ou pelo menos a maior parte (e espero que ache, pois, do contrário, porque a escreveu tão longa?), não a divida em “Dos fatos” e “Do Direito” (ou variações semelhantes).

A segunda parte não será lida mesmo que você seja o Pontes de Miranda reencarnado.

Mas se você não escreve para ensinar ao juiz, nada impede, ou melhor, tudo recomenda que você demonstre o que sabe. Considero essencial sempre citar - mas nem sempre é preciso transcrever - os textos legais e sumulados nos quais se baseia a ação (art. 840 da CLT), pois apenas assim será possível demonstrar como os pedido decorrem logicamente dos fatos.

Com isso não quero dizer que não exista lugar para citação de doutrina em manifestações jurídicas, longe de mim sugerir um absurdo destes. A sugestão é específica para a petição inicial da reclamação trabalhista, e com reservas.

Bem, acho que eu poderia escrever mais umas vinte páginas sobre este assunto (e talvez o faça), porque realmente sou apaixonado sobre tudo que envolve o bom debate. Mas este texto já está ficando longo demais para os padrões da internet, e começo aqui a correr um sério risco: o de você parar de ler.

Então, finalizando este requisito, vamos agora redigir nossa não tão breve (art. 840, parágrafo 1º da CLT) exposição dos fatos e do direito. Para facilitar, vamos imaginar um caso sem maior complexidade, no qual o resultado da apuração de direitos foi apenas a diferença de percentual no adicional de periculosidade.

De posse do Roteiro de Entrevista, de onde retiraremos os dados, e da Planilha de Identificação, de onde retiraremos o direito apurado, começaremos então pelos Dados Básicos do Contrato de Trabalho, e só então prosseguiremos para a fundamentação em si.

Perceba que nos dados básicos os grifos tem a única intenção de ajudar o juiz a encontrar facilmente os dados mais importantes (e não de persuadir).

Nota: Deixei de incluir o modelo de Requerimento de Controle Difuso de Constitucionalidade e Outros Pedidos de Aspecto Processual que acompanha todos os modelos gerados no site Valor do Trabalho, para que este artigo não ficasse tão longo, mas no modelo completo, disponibilizado ao final da última parte deste artigo este capítulo foi incluído.

. Dados básicos do contrato de trabalho

O Reclamante foi contratado com registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) através de contrato por prazo indeterminado, no dia 08 de março de 2015, para exercer a função de eletricista de alta-tensão (CBO 732120).

No desempenho de seu ofício, o Reclamante desenvolvia as seguintes atividades: realizava o planejamento de serviços elétricos, as instalações e distribuições de alta e baixa tensão. Também montava e reparava instalações elétricas e outros equipamentos.

O rompimento do contrato de trabalho ocorreu por dispensa sem justa causa, no dia 09 de maio de 2018, quando o trabalho foi efetivamente interrompido.

O aviso prévio ocorreu de forma indenizada, projetando efeitos até 17 de junho de 2018, tendo a referida data, e período do aviso indenizado, sido observados para fins de apuração dos reflexos, das verbas aqui pleiteadas, na rescisão contratual.

. Diferença de percentual do adicional de periculosidade

Durante todo o período em que perdurou o contrato de trabalho, o Reclamante laborou em atividade considerada perigosa pela NR 16, tendo recebido, contudo, apenas o percentual de 10%, restando violados, assim, os artigos 193, parágrafo 1º, e art. 200 da CLT, bem como os incisos XXII e XXIII do art. 7º da Constituição Federal.

O parágrafo 1º do art. 193 da CLT estabelece expressamente o percentual a ser aplicado em condições de periculosidade, in verbis:

§ 1º - O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa.

No entanto, a Reclamada pagava apenas o equivalente a 10%, afrontando assim a lei de regência, bem como o entendimento consolidado no E. TST, no sentido de que nem mesmo norma coletiva pode alterar o percentual definido em lei:

RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. INSTALADOR. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA DE PAGAMENTO EM PERCENTUAL INFERIOR AO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. Não se pode flexibilizar o direito constitucionalmente reconhecido ao adicional de periculosidade por meio de norma coletiva que permite a sua fixação em percentual inferior ao legalmente estabelecido. Ademais disso, despicienda a produção de prova técnica para a constatação do direito ao referido adicional quando este é pago ao empregado, ainda que por mera liberalidade do empregador e em percentual inferior ao legalmente previsto. Inteligência da Súmula nº 453 do TST. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 3587620135090084, Data de Julgamento: 10/12/2014, Data de Publicação: DEJT 12/12/2014 - grifos nossos)

Pelo exposto, observa-se claramente que é devido o pagamento do adicional de periculosidade, com base em seu salário, no percentual de 20%, sendo devida, ainda, a integração na remuneração para todos os efeitos legais (Súmula 132 do TST), com incidência reflexiva em todas as verbas, inclusive rescisão contratual, devendo ser abatido os valores recebidos a mesmo título (percentual menor que o devido) para efeito de compensação.

. Reflexos do adicional de periculosidade nas verbas rescisórias, férias e décimo terceiros salários vencidos

Ainda, de acordo com a Súmula 132 do E. TST, o valor do adicional de periculosidade integra o cálculo das verbas pagas indenizadamente e de horas extras:

Súmula nº 132 do TST ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. INTEGRAÇÃO (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 174 e 267 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 I - O adicional de periculosidade, pago em caráter permanente, integra o cálculo de indenização e de horas extras (ex-Prejulgado nº 3). (ex-Súmula nº 132 - RA 102/1982, DJ 11.10.1982/ DJ 15.10.1982 - e ex-OJ nº 267 da SBDI-1 - inserida em 27.09.2002) Súmula 376/TST - 11/07/2017. Jornada de trabalho. Horas extras. Limitação a duas horas. Reflexos. CLT, art. 59, caput

Assim, de acordo com os dados do contrato de trabalho informado anteriormente, o Reclamante faz jus à integração do adicional de periculosidade nas seguintes verbas:

  1. 3 Férias Vencidas: R$ 300,00 ;
  2. 3 Décimo Terceiro vencidos: R$ 900,00 ;
  3. 39 dias de aviso prévio: R$ 390,00 ;
  4. 3/12 avos de férias proporcionais: R$ 100,00 ;
  5. 06/12 avos de décimo terceiro proporcional: R$ 150,00 ;

Desta forma, os reflexos sobre rescisão, férias e décimos terceiros totalizam preliminarmente R$ 1.840,00, valor sobre o qual ainda são devidos os depósitos de FGTS, multa de 40% e descontos de INSS (vide cálculo em anexo e capítulos próprios adiante).

Pelo exposto, observa-se claramente que o Reclamante laborava em condições de perigo, sendo devido o pagamento do adicional de periculosidade, com base em sua salário base mensal (acompanhando a evolução salarial, de acordo com a Memória de Cálculo preliminar em anexo), no percentual de 30%, o que deverá ser apurado através da realização de perícia técnica por médico ou engenheiro do trabalho (art. 195, CLT), sendo devida, ainda, a integração na remuneração para todos os efeitos legais (Súmula 132 do TST), totalizando preliminarmente o valor de R$ 12.354,93.

. FGTS

O Reclamante também tem direito aos depósitos e multa de 40% do FGTS sobre as verbas com natureza salarial pleiteadas na presente reclamatória, inclusive sobre os reflexos, a saber:

  • Adicional de Periculosidade: R$ 1.294,05

Destarte, a Reclamada deverá realizar o depósito na conta vinculada do Reclamante o valor das verbas pleiteadas nesta reclamatória, o que deverá ser apurado em regular liquidação de sentença, totalizando preliminarmente, excluídas as quantias eventualmente depositadas, o valor de 1.294,05 .

A Reclamada deverá, ainda, providenciar e entregar ao Reclamante as guias e documentos necessários para o levantamento junto à CEF, ou então, diante de impossibilidade, requer que seja realizado o pagamento de forma indenizada da parte não depositada, bem da expedição de alvará por este E. Juízo para levantamento dos valores que se encontram em conta vinculada.

. Descontos

Em decorrência das verbas de natureza salarial devidas em virtude desta ação são devidos descontos de INSS, conforme a legislação de regência, totalizando preliminarmente o valor de R$ 893,12, devendo tal valor ser descontado do valor pago pela Reclamada, e repassado ao INSS.

Anote-se que a Reclamada deverá pagar a parte cabente a ela, no total de 20% de todas as verbas salariais, devendo o INSS ser intimado para apurar os valores a ele devidos, bem como para fiscalizar eventual descumprimento.

Destarte, requer, desde já, a compensação destes valores do total devido na presente reclamação.

Esta fundamentação foi adaptada de um modelo criado por mim para o Gerador de Cálculos e Petições Trabalhistas do site Valor do Trabalho, que em casos de diferença do adicional de periculosidade sempre leva em consideração um juiz do trabalho padrão, semelhante ao que definimos acima, e que é contrário à tese defendida.

Então, neste caso, como sabemos que ele considera possível a redução do percentual quando previsto em Convenção Coletiva, deixaremos a transcrição do texto legal como está, e também o exemplo da jurisprudência, e até poderíamos acrescentar alguma doutrina, e um ou mais exemplos da jurisprudência predominante nos tribunais superiores.

Se, de outro lado, já soubéssemos que ele não aceita esta tese da redução por Convenção Coletiva, e que suas decisões sempre são curtas, e que ele nunca cita doutrina e exemplos de Jurisprudência (também funciona como um algoritmo, lembra da parte I deste artigo?), deveríamos certamente retirar a transcrição do texto legal, e talvez apenas citar o entendimento consolidado no TST e apenas o número de um ou dois exemplos de jurisprudência.

Isto é adaptar-se ao auditório.

. Pedido, prova, opção pela audiência de conciliação e valor da ação

O pedido na ação trabalhista, como já disse, deve estar completamente destacado da fundamentação, e atender aos outros requisitos do processo civil e da recente alteração da CLT pela Lei 13.467/17 (Reforma Trabalhista. Ou seja, deve ser certo, determinado, possível e com a apresentação de seu valor..

A ação trabalhista muitas vezes contém mais de um tipo de pedido (declaratório, condenatório, mandamental e cominatório) e você deve estar atento para incluir todos eles corretamente. Por exemplo, numa ação em que se requer o reconhecimento de dispensa sem justa causa, é preciso realizar o pedido declaratório (o reconhecimento da dispensa sem justa causa) e os pedidos condenatórios (as verbas rescisórias).

Também incluem-se aqui os pedidos acessórios, o de gratuidade de Justiça, os reflexos e os requerimentos finais (processuais), onde, inclusive, estará o pedido pela produção de provas, a opção pela audiência de conciliação e o valor da ação.

No caso que estamos imaginando para seguir com nosso estudo, ficaria mais ou menos (ainda revisaremos tanto a fundamentação quanto o pedido, na próxima parte deste artigo) assim:

. Pedidos

Por todos os fundamentos anteriormente expostos, o Reclamante REQUER o reconhecimento das situações de fato e de direito acima expostas (conteúdo declaratório), bem como a condenação da Reclamada, para cumprir as determinações mandamentais e para pagar ao Reclamante as seguintes verbas, nos seguintes termos:

  1. o o controle difuso de constitucionalidade do art. 790-B, caput e § 4º, e do § 4º do art. 791-A, todos da Lei nº 13.467/17, para que, uma vez concedida, a Justiça Gratuita não seja limitada pelas regras constantes de suas respectivas disposições;
  2. a concessão da Justiça Gratuita por atendimento da regra do § 3º do art. 790 da Lei 13.467/17, uma vez que o o Reclamante ganhava salário inferior a 40% do teto dos benefícios da Previdência Social;
  3. o recebimento do adicional de periculosidade calculado no valor de 30% sobre a remuneração do Reclamante, referente a todo o período trabalhado, , bem como a integração na remuneração para todos os efeitos legais, e incidência em todas as verbas de direito (v.g.: 1/3 sobre férias proporcionais, gozadas, ou recebidas indenizadamente, 13º salário proporcional e recebidos ou vencidos, aviso prévio, FGTS, multa de 40% e INSS), totalizando preliminarmente o valor de R$ 12.354,93;
  4. o recebimento dos depósitos mensais de FGTS de todas as verbas com natureza salarial requeridas nesta ação, com a consequente multa de 40% sobre o valor devido no momento da rescisão, totalizando preliminarmente o valor de R$ 1.294,05 com a entrega de todos os documentos e guias necessárias para levantamento junto à CEF (conteúdo mandamental), ou, na impossibilidade, seu pagamento indenizado, e a expedição de alvará por este E. Juízo para levantamento de valores que se encontrarem em conta vinculada;
  5. A realização dos descontos referidos nesta petição (v.g.: compensação, verbas previdenciárias), tudo de acordo com o cálculo prévio em anexo, totalizando preliminarmente o valor de R$ 893,12;
  6. a incidência de juros legais moratórios;
  7. a incidência de correção monetária pelo índice IPCA-E, de acordo com o entendimento consolidado no E. TST;
  8. que sejam remetidos ofícios para a Delegacia Regional do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, e à Receita Federal, informando as irregularidades noticiadas, para que sejam tomadas as medidas cabíveis, uma vez que a situação do Reclamante pode estar se repetindo com outros funcionários da Reclamada.
  9. que a incidência de imposto de renda, se devida em decorrência do recebimento acumulado das verbas, seja suportada pela Reclamada;
  10. a condenação da Reclamada em de honorários advocatícios de sucumbência, em percentual a ser definido por Vossa Excelência, calculados sob o valor final da liquidação, nos termos do que dispõe o artigo 791-A da CLT;

Todos os cálculos acima apresentados representam um estimativa para fins de distribuição, devendo ser apurados em regular liquidação de sentença, e acrescidos, ainda, de reflexos e juros e correção monetária, até a data do efetivo pagamento.

E para que venha ao final obter a satisfação dos seus direitos, requer ainda as seguintes providências processuais:

  1. notificação da Reclamada para apresentar a defesa que entender cabível, sob pena de revelia;
  2. a designação de audiência inaugural;
  3. a produção de todos os meios legais de prova, como a oitiva de testemunhas, a realização de perícia técnica, etc.
  4. o depoimento pessoal do representante legal da Reclamada, ou de preposto que tenha conhecimento dos fatos, sob pena de confissão quanto à materia de fato;
  5. a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, uma vez que, nos termos do artigo 790 §3º da CLT, e 98 e 99 do CPC, o Reclamante encontra-se atualmente em situação econômica não lhe permite pagar as custas do processo e os honorários sem prejuízo do sustento próprio ou da família;

Termos em que, dando à causa o valor de 12.354,93 para efeitos de distribuição, em caráter preliminar, e requerendo a total procedência da presente Reclamação, com a condenação da Reclamada nos pedidos formulados e verbas pleiteadas, acrescidas de juros moratórios e correção monetária na forma da lei, custas processuais, verba honorária advocatícia de sucumbência e demais cominações legais,

Pede deferimento,

[cidade], 04 de maio de 2018.

Gustavo Borceda, advogado e criador do site Valor do Trabalho

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